Lenacapavir: lutamos pela licença compulsória no Brasil

Há pouco menos de um mês comemorávamos o resultado dos ensaios clínicos da “PrEP injetável”, cujo princípio ativo é o Lenacapavir – fórmula já utilizada em pessoas que vivem com hiv -, realizados com homens cis, pessoas trans e não binárias que fazem sexo com pessoas designadas como homens ao nascer do Brasil, da Argentina, do Peru, do México, dos Estados Unidos, da Tailândia e da África do Sul. 

Como o CEO da Gilead, a empresa a desenvolver o fármaco e detentora de sua propriedade intelectual, anunciou, o Lenacapavir “demonstrou enorme potencial para transformar a prevenção e acabar com a epidemia global do hiv”. Ainda, como o portal Imprep, da FioCruz, a instituição responsável pela realização dos testes no Brasil, fez notar, os ensaios clínicos do lecanapavir injetável mostraram eficácia superior em relação à PrEP de ingestão oral diária ou sob demanda, à base entricitabina e tenofovir, reduzindo a possibilidade de infecção pelo vírus em 96% entre os participantes do estudo. Já nos testes realizados com mulheres e adolescentes cis em Uganda, a eficácia chegou a 100% (a notícia e as declarações podem ser conferidas aqui). 

Afirmamos acima que o Lenapavir, administrado via injeção subcutânea a cada seis meses, já tinha se mostrado um medicamento inovador para o tratamento de hiv multirresistente, aprovado já nos Estados Unidos e na União Europeia. A promessa de uma tecnologia de profilaxia pré-exposição ao hiv em um regime terapêutico facilitado, duradouro e mais eficaz – pensemos nos desafios que a ingestão de uma pílula diária oferece à adesão –  como uma questão de saúde pública esbarra nos interesses das corporações a que temos chamado de Big Pharma, empresas transnacionais da indústria farmacêutica marcadas por priorizar seus interesses de mercado ante as necessidades da saúde pública. Como o é Gilead. Nos Estados Unidos, onde o Lenacapavir já é utilizado no tratamento para hiv, enquanto o custo de produção do medicamento é estimado em 40 dólares anuais por paciente, sua venda se dá ao custo de 42 250 dólares anuais por paciente.

Alan Rossi antecipou no texto Lenacapavir: quanto custa defender a saúde pública?, publicado no portal Outras Palavras, que já era de se esperar o pior no que concerne às licenças e patentes para produção de geñericos do Lenacapavir como estratégia de prevenção ao hiv. 

Assim deu-se. Na quarta-feira, dois de outubro, a farmacêutica Gilead anunciou seu plano para que apenas seis empresas na Ásia e no Norte da África fabriquem versões genéricas do medicamento . Como visto, o Brasil, a Argentina, o Peru e o México – onde também se deram os ensaios clínicos do uso profilático do Lenacapavir – foram excluídos da possibilidade de produção do genérico, acessando a medicação apenas a altos custos até pelo menos 2037. A nota redigida pelo Grupo de Trabalho Sobre a Propriedade Intelectual (que pode ser acessada aqui) esclarece que, no Brasil, o acesso a tal inovação está bloqueado por três patentes do medicando que “reforçam o monopólio, restringindo o direito à saúde e limitando as opções de tratamento e prevenção no Sistema Único de Saúde”.

A exclusão do Brasil dos acordos internacionais de licença considera, segundo a Gilead, a classificação de renda “média alta” do país, segundo o Banco Mundial. Não obstante outros países com a mesma classificação obterem a licença voluntária, tal exclusão ignora as desigualdades profundas que constituem nosso país, a alta incidência de infecção e as vulnerabilidades que marcam quem utiliza e precisa de nosso sistema único de saúde.

O Esmuc, assim, faz coro às lutas para que o SUS emita uma licença compulsória para o Lecanapavir, considerando-o uma medida crucial para fortalecimento da resposta ao hiv e um modo de defender a saúde pública. O abuso do sistema de patentes, que marcou e marca a história da epidemia e as (im)possibilidades do acesso à saúde deve ser combatido aguerridamente por todos nós que vivemos e convivemos com o hiv. 

 

Por Nathalia Müller Camozzato

professora, doutora em Linguística e graduada em Letras – Português pela UFSC. Atualmente, realiza Pós-doutoramento com bolsa FAPESC, no  Programa de Pós-Graduação em Linguística da ufsc. Tem buscado alinhavar a pesquisa à práticas por vidas mais vivíveis e justas para todas pessoas., especialmente aquelas vulnerabilizadas por questões como raça, gênero, sexualidade e variabilidade funcional. Entre seus interesses estão o discurso e o emaranhado entre o humano e o não/outro que humano, o pensamento localizado e as estórias como estratégia fabulativa orientada para o futuro.

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