Tradução
• Tema: inteligência artificial, mídias sociais e os cuidados em saúde e hiv
• Autoria: Edith Magak.
• Data: 11 nov. 2024.
• Texto original disponível: AQUI



Visão Geral
A partir dos debates que tomaram curso na 5º Conferência de Pesquisa em Hiv para Prevenção (Hiv Research for Prevention Conference), organizada pela Internationl Aids Society (IAS), e ocorrida entre 6 e 10 de outubro, em Lima no Peru, o artigo discute os usos estratégicos da inteligência artificial e das mídias sociais na prevenção e cuidado em saúde para a vida com hiv ao redor do mundo, trazendo exemplos e casos nos quais essas plataformas e ferramentas foram protagonistas em outras abordagens para o hiv.
A inteligência artificial e as mídias sociais estão revolucionando a prevenção e o tratamento do HIV em todo o mundo, pois as plataformas digitais são usadas para aumentar a conscientização, o envolvimento e os resultados de saúde.
A inteligência artificial (IA) e as mídias sociais se tornaram partes essenciais de nossas vidas. Desde o uso do Google Maps até a seleção de listas de reprodução no Spotify e o streaming de programas na Netflix, muitos aplicativos são totalmente integrados aos recursos de IA. Além do entretenimento e da conveniência, essas tecnologias têm um potencial significativo para a área da saúde, especialmente no campo da prevenção do HIV.
Na recente conferência HIV Research for Prevention (HIVR4P), realizada no Peru, os pesquisadores compartilharam como estão aproveitando a IA e as mídias sociais para a prevenção do HIV.
Mídia social para prevenção do HIV nas Filipinas
Nas Filipinas, a organização comunitária LoveYourself Inc. transformou o envolvimento da mídia social em ações concretas de prevenção do HIV. Reconhecendo as diversas necessidades de diferentes grupos, eles adaptam suas campanhas especificamente para homens que fazem sexo com homens, homens gays e bissexuais e mulheres transgêneros. Por exemplo, a campanha #MenOfPrep tem como alvo homens que fazem sexo com homens com informações sobre a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), enquanto a #QueensOfPrep atende a indivíduos transgêneros e de gênero diverso. Outra campanha, a #SummerFanCollab, criou um burburinho no X (antigo Twitter), fornecendo mensagens mais provocativas para envolver seu público.
Por meio dessas campanhas, a LoveYourself Inc. alcançou cerca de 5 milhões de engajamentos exclusivos, inscrevendo mais de 17.500 clientes nos serviços de PrEP com uma taxa de retenção de 85%.
A organização também fez parceria com influenciadores dos setores de esportes e beleza – figuras populares na comunidade LGBT+ – para ampliar seu alcance. Esses influenciadores, que variam de “macro” influenciadores com mais de 10 milhões de seguidores a “micro” influenciadores com públicos menores, mas mais engajados, ajudaram a direcionar as pessoas para os serviços adequados de HIV. Mensalmente, esses esforços geraram mais de 2 milhões de engajamentos exclusivos, com 85% dos clientes da LoveYourself Inc conhecendo a organização pela primeira vez on-line.
Impulsionando a adesão à PrEP por meio da mídia social para homens latinos gays e bissexuais nos EUA
Em Atlanta, Geórgia, o Projeto Creamos teve como objetivo aumentar a conscientização sobre os serviços de HIV entre homens latinos gays e bissexuais, um grupo que enfrenta barreiras significativas para acessar a PrEP. Os principais desafios incluem a falta de informações confiáveis em espanhol sobre a PrEP e a pouca confiança em navegar pelos sistemas de saúde.
Para resolver esses problemas, a Creamos lançou campanhas de mídia social em plataformas como Facebook, Instagram, Grindr e TikTok, visando especificamente os usuários de língua espanhola. Ao longo de três meses, a campanha obteve 350.000 visualizações e quase 5.000 cliques, resultando em uma taxa de cliques de 1,42%, muito maior do que a média de 0,9% dos EUA. Entre os que clicaram nos anúncios, 157 pessoas forneceram seus dados de contato para navegação entre pares, o que resultou em 70 inscrições no programa nesse período.
Os participantes avaliaram a campanha e os esforços de navegação dos colegas de forma muito positiva, alcançando uma pontuação de aceitabilidade de 4,8 de 5, indicando excelente usabilidade. Um total de 73% dos participantes solicitou um link para os serviços de PrEP, enquanto os encaminhamentos foram feitos em um dia e 68% dos participantes se conectaram com sucesso ao atendimento de PrEP.
IA avançando na prevenção do HIV na Ucrânia
A IA se tornou um divisor de águas na resposta ao HIV na Ucrânia, onde o sistema de saúde está sob crescente pressão devido à guerra em curso. A Alliance for Public Health usou a IA para fornecer informações sobre o HIV, identificar novos casos de HIV e melhorar a prestação de serviços.
Um exemplo é o uso de um trabalhador virtual, conhecido como eSocial worker. Em uma época em que muitos ucranianos estavam buscando refúgio em abrigos antibombas, o assistente eSocial com tecnologia de IA forneceu informações vitais sobre HIV, hepatite e medidas preventivas. Com o nome de “Twiin”, esse assistente digital tem uma vasta base de conhecimento que abrange saúde sexual, estratégias de redução de danos e HIV. Ele oferece uma experiência personalizada, permitindo que os usuários escolham entre quatro personagens distintos – Mykhailo, Sofia, Sasha e Illya – cada um representando experiências de vida únicas.
Além do alcance virtual, a IA também desempenhou um papel fundamental na melhoria da detecção de casos de HIV. Anteriormente, a Alliance contava com testes em toda a comunidade, mas as taxas de positividade haviam caído para apenas 1-2%, sugerindo que os serviços de teste não estavam atingindo as pessoas certas.
Para resolver esse problema, a Alliance começou a usar algoritmos de IA para analisar dados como resultados de testes, frequência de consultas médicas, histórico de uso de drogas e fatores sociais. Ao identificar redes de indivíduos de alto risco, especialmente aqueles envolvidos no uso de drogas, a IA aumentou a probabilidade de encontrar novos casos de HIV positivo. Em março de 2024, a identificação de casos orientada por IA havia atingido uma taxa de positividade de 8%, dobrando a taxa de 4% obtida por meio do julgamento do assistente social.
A Alliance também planeja usar a IA para gerenciar e analisar dados de uma plataforma chamada DHIS2, que rastreia todos os serviços de prevenção do HIV fornecidos. Cada vez que uma seringa é distribuída, um teste rápido é realizado ou preservativos são distribuídos, os dados são registrados em tempo real. A IA usa esses pontos de dados para prever casos emergentes de HIV e avaliar os níveis de risco individuais, ajudando os provedores de serviços a oferecer um atendimento mais direcionado. O poder preditivo da IA também ajuda a determinar se alguém tem probabilidade de aderir ao tratamento, permitindo que os profissionais de saúde intervenham precocemente e ofereçam o apoio necessário.
O que isso significa para os serviços de saúde?
Embora essas ferramentas digitais ofereçam um potencial incrível, elas devem ser desenvolvidas tendo em mente as necessidades e preferências das comunidades. É essencial adaptar as campanhas para que repercutam em populações específicas, usar plataformas de comunicação confiáveis e treinar mensageiros que reflitam as identidades das pessoas que precisam de serviços. As questões de privacidade de dados e direitos também devem ser consideradas. Por fim, a integração da IA e das mídias sociais em intervenções baseadas em comunidades, clínicas e políticas pode ser fundamental para a obtenção de resultados duradouros na luta global contra o HIV.
Por Nathalia Müller Camozzato
professora, doutora em Linguística e graduada em Letras – Português pela UFSC. Atualmente, realizada Pós-doutoramento com bolsa FAPESC, no Programa de Pós-Graduação em Linguística da ufsc. Tem buscado alinhavar a pesquisa à práticas por vidas mais vivíveis e justas para todas pessoas., especialmente aquelas vulnerabilizadas por questões como raça, gênero, sexualidade e variabilidade funcional. Entre seus interesses estão o discurso e o emaranhado entre o humano e o não/outro que humano, o pensamento localizado e as estórias como estratégia fabulativa orientada para o futuro.