A saída para o recomeço

Quando somos jovens, acreditamos em amores saídos das páginas de livros. Sonhamos com paixões avassaladoras, com borboletas no estômago que deixam de ser metáforas e se tornam realidades quase físicas. Eu sabia disso bem demais, especialmente entre os 16 e 18 anos, quando me apaixonei com a força de quem acredita que encontrou o amor da vida.

Como um bom leonino, eu sempre fui intenso. Não acreditava em amores leves; achava que amar significava queimar, superar tudo, mesmo quando as chamas consumiam o ar ao redor. E, como todo jovem, eu estava errado. Mas não é disso que quero falar. Você, caro leitor, conhece bem esse sentimento. Quero levá-lo para 2015, um ano que me virou do avesso.

Naquele tempo, eu vivia o oposto do amor romântico. Estava recém-diagnosticado, fragilizado e me sentindo a pessoa mais suja do mundo. Essa era a palavra: sujo. O diagnóstico de HIV me pesava como uma sentença, alimentado pelas imagens e falas terríveis que apareciam sempre que eu digitava algo no Google.

Havia alguém ao meu lado, é verdade. Ele ficou comigo, apoiou-me como podia, e seria ingrato dizer o contrário. Mas as palavras dele, ah, essas ficaram gravadas em mim. Lembro de ouvi-lo dizer:
— Você tem sorte que eu te aceitei, mesmo com seu histórico e fama. Não me surpreende seu diagnóstico, mas aposto que ninguém mais ficaria.

Cada vez que discutíamos, as palavras voltavam, afiadas:
— Se a gente terminar, ninguém mais vai te amar. Ninguém vai querer alguém com HIV.

Ele se via como um herói por estar comigo. E eu, preso em um misto de gratidão e impotência, deixava-me afundar na crença de que ele era minha única chance de ser amado. Hoje, não o culpo por isso. Era jovem, desinformado, e o preconceito corrói até os mais bem-intencionados. Mas naquela época, eu acreditava nas mentiras.

O HIV não mata, mas o preconceito pode. E foi isso que me adoecia. Cada dia era uma batalha contra o peso das palavras, contra os efeitos colaterais do tratamento, e, acima de tudo, contra os pensamentos que insistiam em me dizer que não havia saída.

Certa madrugada, incapaz de dormir, liguei a TV e encontrei um documentário sobre animais. No episódio, mostravam como alguns bichos se isolam da manada quando estão doentes, como se soubessem que era o fim. Aquilo me atingiu em cheio. Pensei: talvez seja isso que eu deva fazer. Afastar-me de tudo, lidar com minhas dores sozinho, e quem sabe, desaparecer.

Mas algo dentro de mim resistia. Talvez fosse o efeito das leituras que eu já começava a fazer sobre o HIV, sobre saúde, sobre mim mesmo. Quanto mais eu lia, mais entendia que aquelas falas violentas ditas por ele não me definiam. Talvez, sim, eu estivesse fadado à solidão, mas seria uma escolha minha — nunca dos outros.

Foi ali que decidi. Eu precisava sair. Era abril, dia do beijo. Ele pediu um beijo para comemorar, e, no impulso, beijei-lhe o rosto e me despedi. Não demorei. Na faculdade, sentei-me à mesa, respirei fundo e me perguntei:
— O que estou fazendo com a minha vida?

Naquela tarde, chamei-o para conversar. Minha voz era branda, mas meu coração tremia. Disse-lhe que, apesar de amá-lo, amava-me mais. Que aquela relação já não me cabia. Que eu precisava priorizar a mim mesmo, porque a luta que enfrentava era maior do que qualquer outra.

E assim, com um adeus, veio a minha saída. Não foi fácil, mas foi o primeiro passo. Ali, eu soube que, finalmente, as coisas começariam a se encaixar.

Por Matheus Maia Moraes | colaborador ESMUC

Comunicólogo, apaixonado por moda, cultura pop e viagens, sou um entusiasta do crossfit e vivo com HIV há quase uma década. Ao longo dessa jornada, compartilho minhas experiências e aprendizados, celebrando a resiliência, o estilo e a autenticidade. Também sou ativista, lutando por mais visibilidade e direitos para pessoas vivendo com HIV, sempre buscando inspirar e empoderar quem me acompanha.

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